Conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência

Legislação

A lei portuguesa é bastante protetora do aderente em contratos celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais, em especial no que respeita à inclusão dessas cláusulas em contratos singulares, ou seja, nos contratos efetivamente celebrados entre aderente e predisponente. Na prática, uma aplicação rigorosa e séria, quer das normas aplicáveis, quer dos princípios cujo respeito estas visam garantir leva a excluir dos contratos, por vício de comunicação e/ou de esclarecimento, a maioria das cláusulas contratuais gerais que os predisponentes neles pretendem incluir.

Ao nível da comunicação, o critério é simples e bastante claro. Perante uma cláusula contratual geral supostamente incluída num contrato, é necessário perguntar se uma pessoa que “use de comum diligência” teria tomado “conhecimento completo e efetivo” da cláusula (art. 5.º-2 do DL 446/85). Se a resposta for positiva, a cláusula poderá estar incluída no contrato (será ainda necessário que passe pelo crivo do esclarecimento). Se a resposta for negativa, ou seja, se uma pessoa com diligência comum não teria tomado conhecimento completo e efetivo da cláusula, a consequência é a sua exclusão do contrato celebrado.

Ao longo dos últimos anos, perguntei várias vezes a turmas com dezenas e até por vezes centenas de estudantes quem é que já tinha lido as cláusulas apresentadas numa atualização de software. Ou num contrato celebrado online antes de descarregar uma aplicação digital. Até hoje ninguém me disse já ter lido, pelo menos por uma vez, os longos clausulados apresentados neste contexto[1]. E em todos estes casos se afirma, para poder passar ao passo seguinte, ter lido (e por vezes até compreendido) as cláusulas em causa[2]. Certamente já por mim passaram alguns estudantes pouco diligentes. Tão certo é que também os tive muito diligentes. E muitos, como eu, medianamente diligentes.

O critério é simples e claro, sendo-o também a consequência. Nenhuma dessas cláusulas integra o contrato celebrado (art. 8.º-a) do DL 446/85). E não integra o contrato por imperativo de justiça. Nem se pode dizer que a cláusula é imposta por uma das partes à outra, pois para impor alguma coisa a alguém é necessário que exista a consciência por parte desse alguém de que alguma coisa lhe é imposta.

Num estudo recente da Comissão Europeia sobre as atitudes dos consumidores face às cláusulas apresentadas pelos profissionais [Study on consumers’ attitudes towards Terms and Conditions (T&Cs)], parte-se do princípio de que os consumidores não as leem. Apresenta-se aí uma solução para as empresas: encurtar e simplificar os clausulados.

No Ac. do STJ, de 3/10/2017, estava em causa a cláusula n.º 207 do contrato de seguro celebrado entre as partes, que limita ou afasta a responsabilidade da seguradora em determinados casos, tendo o tribunal concluído que foi feita a comunicação ao aderente do teor integral das cláusulas contratuais, defendendo que o comportamento do aderente foi negligente ou pouco diligente[3]. Só a circunstância de estarmos a falar da cláusula n.º 207 é suficiente para concluirmos que um aderente que usasse de comum diligência, tendo em conta os hábitos e o grau de cultura dos portugueses, não teria dela tomado conhecimento. Uma cláusula com esta relevância teria de ser apresentada de forma destacada e não incluída no meio de centenas de cláusulas. O Direito está longe da realidade e do seu objetivo de prossecução da justiça se permitir que centenas de cláusulas possam ser incluídas unilateralmente num contrato de consumo, ficcionando-se que alguma pessoa, com a exceção do advogado que as redigiu, as venha um dia a ler. Felizmente, a lei não o permite. Falta garantir que a lei é aplicada de forma rigorosa e séria. São incluídas no contrato apenas as cláusulas de que um aderente comummente diligente tome conhecimento completo e efetivo.


[1] Larry Magid (“It Pays To Read License Agreements”) refere um caso em que foi incluída, num clausulado extenso na Internet, uma cláusula que determinava que, quem a lesse, tinha direito a uma compensação financeira; só depois de quatro meses e três mil downloads é que alguém reclamou a compensação, tendo-lhe sido atribuídos $ 1000.

[2] Uma cláusula com este conteúdo (indicação de tomada de conhecimento) será, em regra, nula, nos termos dos arts. 19.º-d) e 21.º-e) do DL 446/85.

[3] Refere-se, a propósito, a letra da canção Uma Alma Caridosa, de Jorge Palma: “Fui à última instância, enchi-me de brio / li a Constituição toda de fio a pavio / havia um artigo que lido com atenção / era como nos seguros: a gente nunca tem razão”.

Tribunal de Justiça e a Diretiva 93/13: Cláusulas Abusivas em Contratos de Mútuo em Divisa Estrangeira

Jurisprudência

No passado mês, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu sobre os processos apensos C-776/19 a C-782/19, que trouxeram novos desenvolvimentos à interpretação da Diretiva 93/13/CEE e ao regime das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com consumidores, em particular no que toca a contratos de mútuo hipotecário em divisa estrangeira. Em causa estão contratos celebrados com o Banco BNP Paribas Personal Finance, conhecidos como “Helvet Immo”.

Concretamente, os contratos em causa incluíam as seguintes cláusulas: (i) os créditos em questão eram financiados por empréstimos subscritos em francos suíços e esses créditos eram geridos simultaneamente em francos suíços (moeda de conta) e em euros (moeda de pagamento); (ii) quanto às operações cambiais, os pagamentos relativos aos empréstimos em causa só podiam ser efetuados em euros para um reembolso em francos suíços; (iii) as operações cambiais a efetuar estavam enumeradas nos contratos de mútuo em causa nos processos principais, e em caso de incumprimento por parte do mutuário, o mutuante tinha a possibilidade de substituir unilateralmente o franco suíço pelo euro; (iv) uma vez que a amortização depende da evolução da paridade euro/franco suíço, esta seria menos rápida se a operação cambial resultasse numa quantia inferior à data do vencimento em francos suíços, e a eventual parte do capital não amortizada seria inscrita no saldo devedor. Caso contrário, o reembolso do crédito seria mais rápido; (v) se a manutenção do montante dos pagamentos em euros não permitisse regularizar a totalidade do saldo da conta sobre o período residual inicial acrescido de cinco anos, os pagamentos seriam aumentados. Se, no termo do quinto ano de prorrogação, subsistisse um saldo devedor, os pagamentos deviam continuar até ao reembolso integral; (vi) a taxa de juro fixa, inicialmente acordada, era passível de revisão de cinco em cinco anos, segundo uma fórmula predeterminada e, nessa ocasião, o mutuário podia optar pela transição para euros da moeda de conta, escolhendo quer a aplicação de uma nova taxa de juro fixa aumentada quer a aplicação de uma taxa variável.

Neste seguimento, e devido a uma evolução desfavorável das taxas de câmbio, os demandantes tiveram dificuldade em reembolsar o mútuo hipotecário. Por isso, intentaram ações judiciais onde alegaram o caráter abusivo das cláusulas dos contratos em causa, nas quais a BNP Paribas Personal Finance alega a prescrição dos pedidos, de acordo com as normas nacionais aplicáveis.

Por isso, o tribunal de reenvio francês endereçou oito questões ao TJUE. Em primeiro lugar, se a Diretiva 93/13, lida em conjugação com o princípio da efetividade, se opõe à aplicação de normas de prescrição para a declaração do caráter abusivo de uma cláusula e para eventuais restituições devidas ao abrigo dessa declaração. Em caso de resposta negativa, ou parcialmente negativa, questiona o TJUE se a Diretiva, lida em conjugação com o princípio da efetividade, se opõe à aplicação de uma jurisprudência nacional que fixa como início da contagem do prazo de prescrição a data da aceitação da proposta de empréstimo e não a data da ocorrência de dificuldades financeiras sérias. Em segundo lugar, se as cláusulas que preveem que o franco suíço é a moeda de conta e o euro a moeda de reembolso e que, como tal, imputam o risco cambial no mutuário, se incluem no objeto principal do contrato, na aceção do art. 4.º-2 da Diretiva 93/13. Por outro lado, perguntou também se a Diretiva 93/13, lida em conjugação com o princípio da efetividade, se opõe a uma jurisprudência nacional que considera cláusulas como as discutidas nos processos em causa como claras e compreensíveis. Em quarto lugar, se o ónus de prova do caráter claro e compreensível de uma cláusula incumbe ao profissional ou ao consumidor. Caso incumba ao profissional, se a Diretiva 93/13 se opõe a uma jurisprudência nacional que considera que, quando existem documentos relativos a técnicas de venda, que compete aos mutuários provar, por um lado, que foram destinatários das informações contidas nesses documentos e, por outro, que foi o banco que lhes transmitiu tais informações, ou, pelo contrário, a Diretiva exige que estes elementos constituam uma presunção de que as informações contidas nestes documentos foram transmitidas, incluindo verbalmente, aos mutuários, presunção simples que incumbe ao profissional refutar. Por último, se se pode considerar que cláusulas como as presentes nos processos em causa podem levar a um desequilíbrio significativo, dado que, por um lado, o profissional dispõe de meios superiores ao consumidor para antecipar o risco cambial e, por outro, o risco suportado pelo profissional está limitado, ao passo que o suportado pelo consumidor não o está.

Começando pela primeira e segunda questões, o Tribunal clarifica que, no caso em apreço, temos duas situações diferentes. Em primeiro lugar, temos a oposição de um prazo de prescrição a um pedido apresentado por um consumidor relativo ao caráter abusivo de cláusulas contratuais e, em segundo lugar, a oposição desse prazo para efeitos de restituição de quantias indevidamente pagas.

Assim, e no que concerne à primeira situação, o Tribunal concluiu que estes casos não podem estar sujeitos a prazos de prescrição, com base num argumento fundamental: a proteção efetiva dos direitos conferidos ao consumidor pela Diretiva 93/13 implica que o poder de invocar, a qualquer momento, o caráter abusivo de uma cláusula contratual, não pode estar sujeita a prazos de prescrição.

Já no que se refere à segunda situação (invocação do prazo de prescrição no contexto da restituição de quantias indevidamente pagas), o Tribunal optou por uma rota oposta. De facto, e recordando a sua jurisprudência anterior[1], afirmou que a Diretiva 93/13, em particular os arts. 6.º-1 e 7.º-1 não se opõem a uma regulamentação nacional que, embora preveja a imprescritibilidade da ação que vise obter a nulidade da cláusula abusiva, sujeita a ação destinada a invocar os efeitos restitutivos dessa nulidade a um prazo de prescrição. Por isso, a existência de um prazo de prescrição, no que concerne aos pedidos de caráter restitutivo, não é contrária ao princípio da efetividade, desde que a sua aplicação não torne impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela Diretiva.

Neste contexto, importa chamar à atenção para mais três notas feitas pelo Tribunal. Em primeiro lugar, este afirma que prazos de prescrição de três a cinco anos não são incompatíveis com o princípio da efetividade, desde que estabelecidos e conhecidos atempadamente pelo consumidor, permitindo-lhe preparar e recorrer a uma via judicial efetiva a fim de invocar os seus direitos. Em segundo lugar, e no que concerne ao início do prazo de prescrição, o Tribunal afirma que este só será compatível com o princípio da efetividade se o consumidor tiver tido a possibilidade de conhecer os seus direitos antes de esse prazo começar a correr ou de terminar. Por isso, o começo da contagem do prazo de prescrição na data da aceitação da proposta de mútuo não é suscetível de assegurar uma proteção efetiva ao consumidor, já que esse prazo pode expirar antes de o consumidor poder tomar conhecimento do caráter abusivo da cláusula em causa.

Passando à terceira questão, o Tribunal começa por afirmar que, num contrato de mútuo, o mutuante obriga-se, em primeiro lugar, a disponibilizar ao mutuário um determinado montante e este, por sua vez, obriga-se a reembolsar (regra geral com juros) esse montante em datas previamente determinadas. Sendo que as prestações essenciais do contrato se referem a um montante em dinheiro, estas devem fazer referência às moedas de pagamento e reembolso. Por isso, o TJUE conclui que o facto de o reembolso ter de ser feito numa determinada moeda refere-se não a uma modalidade acessória do pagamento, mas sim, em regra, à própria natureza da obrigação, sendo assim um elemento essencial do contrato de mútuo.

Não obstante, conclui igualmente que compete ao tribunal de reenvio apreciar se as cláusulas em causa, que regulam a moeda de reembolso e pretendem imputar o risco no mutuário, dizem respeito à própria natureza da obrigação. Precisa também que a existência de uma cláusula que permita ao mutuário exercer uma opção de conversão em euros não pode significar que as cláusulas relativas ao risco cambial adquirem uma natureza acessória, só por si. Na verdade, e de acordo com o TJUE, o facto de as partes poderem alterar, em certas datas, uma das cláusulas essenciais do contrato permite ao mutuário alterar as condições do seu mútuo, sem que tal tenha incidência direta na apreciação da prestação essencial do contrato.

Passando à quarta e à quinta questões, o Tribunal começa por clarificar que a exigência de transparência deve ser analisada pelo órgão jurisdicional de reenvio, à luz de todos os elementos pertinentes. Em particular, menciona que cabe a este verificar se foram comunicados ao consumidor todos os elementos suscetíveis de terem incidência no alcance do seu compromisso, nomeadamente o custo total do empréstimo. Nessa análise, deverá ter em particular atenção se as cláusulas estão escritas de forma clara e compreensível e a falta – ou presença – de informações consideradas essenciais, tendo em conta a natureza do objeto do contrato. Virando-se para o contrato em causa, o Tribunal conclui que, em contratos de mútuo em divisa estrangeira, é importante a prestação de informação por parte do profissional que vise esclarecer o consumidor relativamente ao funcionamento do mecanismo de câmbio e ao risco que lhe está associado.

Assim sendo, de modo a respeitar a exigência de transparência, as informações transmitidas pelo profissional devem permitir a um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e sensato, compreender que, em função das variações da taxa de câmbio e a evolução da paridade entre a moeda de conta e a moeda de pagamento podem acarretar consequências desfavoráveis para si. Por outro lado, deverá também compreender o risco real a que se expõe, durante toda a vigência do contrato, caso haja uma desvalorização significativa da moeda em que recebe os seus rendimentos relativamente à moeda de conta.

Virando-se para a sexta e sétima questões, o Tribunal volta a focar-se no princípio de efetividade. Contudo, aqui o ponto de discussão prende-se com a compatibilidade desse princípio com a pendência do ónus da prova do caráter claro e compreensível sob o consumidor. Nesse sentido, e como ponto introdutório, o TJUE afirma que a efetividade dos direitos conferidos pela Diretiva 93/13 não poderia ser consolidada se o consumidor estivesse obrigado a provar um facto negativo, ou seja, que o profissional não lhe forneceu todas as informações necessárias para satisfazer a exigência decorrente do art. 4.º-2 da Diretiva. Nesse seguimento, conclui que a obrigação do profissional de demonstrar o cumprimento das suas obrigações pré-contratuais e contratuais deve igualmente abranger a prova relativa à comunicação da informação contida em documentos relativos as técnicas de venda, particularmente quando a informação aí constante se mostre relevante para garantir a clareza e compreensão das cláusulas contratuais inseridas nos contratos em causa. Ademais, já que o profissional controla (ou deve controlar) os meios pelos quais os seus produtos são distribuídos, deverá também dispor de elementos de prova relativos ao facto de ter procedido a um correto cumprimento das obrigações pré-contratuais e contratuais a que está adstrito.

Chegado à oitava e última questão, o TJUE começa por recordar a sua jurisprudência[2], segundo a qual, nos contratos de mútuo em divisa estrangeira, cabe ao juiz nacional apreciar o possível incumprimento da exigência de boa-fé e, num segundo momento, a existência de um eventual desequilíbrio significativo, nos termos do art. 3.º da Diretiva 93/13. Relativamente à obrigação de boa-fé, importa ter em conta, nomeadamente, a força das posições de negociação das partes e a possibilidade de o consumidor ter sido de alguma forma incentivado a aceitar as cláusulas em causa. Assim, de modo a verificar se as cláusulas em causa dão origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, há que ter em conta as circunstâncias de que o profissional podia ter conhecimento no momento da celebração do contrato, tendo em conta a sua experiência no que se refere às variações das taxas de câmbio e aos riscos inerentes a estes contratos.

Tendo isso em atenção, o Tribunal conclui que há que considerar que existe um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes, decorrentes do contrato em causa, em detrimento do consumidor. Para o justificar, afirma que as cláusulas em causa parecem fazer recair sobre o consumidor um risco desproporcionado em relação às prestações recebidas, uma vez que a aplicação das mesmas tem como consequência obrigar o consumidor a suportar o custo da evolução das taxas de câmbio. Assim, e tendo em conta a exigência de transparência decorrente do art. 5.º da Diretiva 93/13, não se pode considerar que o profissional podia razoavelmente esperar que, negociando de forma transparente com o consumidor, este aceitaria as cláusulas na sequência de uma negociação individual. Não obstante, o TJUE reforça que a aplicação desta lógica ao caso concreto cabe, em última instância, ao órgão jurisdicional de reenvio.


[1] Acórdãos de 9 de julho de 2020, Raiffeisen Bank e BRD Groupe Société Générale, C-698/18 e C-699/18, EU:C:2020:537, n.º 58 e de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, C-224/19 e C-259/19, EU:C:2020:578, n.º 84.

[2] Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o., C-186/16, EU:C:2017:703, n.º 56.

Cláusulas abusivas, sanções contraordenacionais e transposição da Diretiva (UE) 2019/2161

Legislação

O ano de 2021 será um ano muito exigente para o legislador nacional em matéria de direito do consumo, sendo necessário transpor até 1 de julho de 2021 a Diretiva (UE) 2019/770 (conteúdos e serviços digitais) e a Diretiva (UE) 2019/771 (venda de bens de consumo) e até 28 de novembro de 2021 a Diretiva (UE) 2019/2161 (modernização das regras da União em matéria de defesa dos consumidores).

É precisamente sobre esta última que falamos hoje, em particular sobre uma norma que esta introduz na Diretiva 93/13/CEE (cláusulas abusivas).

Trata-se do novo art. 8.º-B, que impõe aos Estados-Membros que estabeleçam sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas em caso de violação das disposições do diploma.

Concluiu-se que a consequência da nulidade das cláusulas, prevista no direito português (art. 12.º do DL 446/85), em linha com o art. 6.º-1 da Diretiva 93/13/CEE (“não vinculem o consumidor”), não é suficiente para dissuadir os profissionais de recorrer a cláusulas abusivas.

Apesar de não se referir expressamente a aplicação de coimas, o cumprimento do art. 8.º-B pressupõe, na lógica do sistema português, a previsão de sanções contraordenacionais em caso de violação do regime das cláusulas contratuais gerais.

Com a transposição da Diretiva (EU) 2019/2161 passará, assim, a estar prevista uma sanção contraordenacional, em certas situações, se for incluída num contrato uma cláusula abusiva.

Que situações são essas?

Segundo o art. 8.º-B-2 da Diretiva 93/13/CEE, na versão de 2019, as situações em que terá de estar prevista a aplicação de sanções contraordenacionais são, no mínimo, aquelas em que as cláusulas contratuais:

  • sejam expressamente definidas como abusivas segundo o direito nacional; ou
  • em que o profissional continue a recorrer a cláusulas contratuais que tenham sido consideradas abusivas numa decisão definitiva adotada numa ação inibitória.

O primeiro ponto parece remeter para as listas de cláusulas consideradas abusivas nos termos do diploma, excluindo apenas as cláusulas abusivas segundo a cláusula geral. Incluirá também seguramente os casos em que o profissional continue a utilizar uma cláusula que já tenha sido considerada abusiva por decisão administrativa ou judicial.

O procedimento poderá ser administrativo ou judicial, admitindo-se que as autoridades administrativas possam decidir sobre o caráter abusivo das cláusulas contratuais (considerando 14 da Diretiva (EU) 2019/2161). Esta possibilidade é muito interessante, uma vez que permite uma ação eficaz e setorial com vista à prevenção e repressão da utilização de cláusulas abusivas. Deveria prever-se esta possibilidade em Portugal, permitindo, naturalmente, o controlo posterior da decisão administrativa pelos tribunais. Assim, a entidade fiscalizadora ou reguladora poderá analisar os clausulados contratuais, decidir que cláusulas são abusivas e aplicar sanções contraordenacionais.

Este controlo pode ser uma via de esperança para o efetivo cumprimento das normas aplicáveis.

Se se tratar de uma infração generalizada (que afete pelo menos os interesses dos consumidores de três Estados-Membros) ou de uma infração generalizada ao nível da União (que afete pelo menos os interesses de dois terços dos Estados-Membros, que correspondam a dois terços dos consumidores da União), sendo aplicável o art. 21.º do Regulamento (UE) 2017/2394 (cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de proteção dos consumidores), as sanções previstas a nível nacional devem prever “a possibilidade de aplicar coimas por meio de procedimentos administrativos ou de intentar uma ação judicial para aplicação de coimas, ou ambas, sendo o montante máximo dessas coimas de, pelo menos, 4% do volume de negócios anual do profissional no(s) Estado(s)-Membro(s) em causa” (art. 8.º-B-4 da Diretiva 93/13/CEE, na versão de 2019).

Um montante máximo tão elevado deverá passar a estar consagrado no direito português, embora esta imposição se limite às infrações generalizadas e às infrações generalizadas ao nível da União. Nos restantes casos, têm de estar previstas sanções contraordenacionais, mas o montante máximo pode ser mais baixo, desde que a sanção em causa seja efetiva, proporcionada e dissuasora da inserção de cláusulas abusivas em contratos singulares.

Em qualquer caso, como refere aqui Mateja Durovic (pp. 74-75), as normas europeias encorajam os Estados-Membros a prever coimas de montante elevado também a infrações que não se enquadrem naquelas categorias, ou seja, que afetem apenas consumidores de um ou dois Estados-Membros.

O grande objetivo é evitar que, para um profissional, seja melhor arriscar a previsão de uma cláusula abusiva, sendo mais benéfico para si as vantagens que daí retira do que as desvantagens associadas às sanções aplicáveis.

Publication alert: Dziubak is a Fundamentally Wrong Decision

Jurisprudência

To protect consumers against unfair terms, Article 6(1) Unfair Contract Terms Directive (UCTD) makes unfair terms inapplicable. For example: the contract includes an unfair penalty clause for early termination? The consumer does not have to pay anything for early termination. Kásler and Káslerné Rábai carved an exception to this rule: national judges can substitute unfair terms when not doing so would have excessively negative consequences for the consumer.

In Dziubak, the Court of Justice of the European Union (hereinafter, “the Court”) was asked to develop this exception further. In a recent publication in the European Review of Contract Law, I explain that the Court – with all due respect – got it fundamentally wrong. This blogpost summarizes the main mistakes in this decision.

What is ultimately at stake in Dziubak is nothing less than the level of protection enjoyed by consumers under EU law and the institutional autonomy of Member States. The Court restricted both legal values with surprisingly poor reasoning. Two of the questions asked by the national judge deserve particular attention. First, to what extent Article 6(1) allows the judge to change “the form of the legal relationship”. Second, whether one could rely on “national provisions not of supplementary law but of a general nature”.

In essence, the answers to these two questions are fundamentally wrong because they: 1) misquote both the directive and a relevant precedent; 2) rely on party autonomy in an asymmetric relation; 3) fail to consider basic EU law principles such as sincere cooperation and effectiveness, but also the institutional autonomy that directives grant to the Member States; 4) finally, the Court ignores the pertinent submission of the professional about the content of national law. Let us consider these points in turn.

1) The Court misquotes the UCTD in holding that the only provisions of national law that can be presumed to be fair are those that “have been subject to a specific assessment by the legislature”. Actually, the relevant provision and recital of the UCTD mention the “provisions or principles of international conventions” as well as the “provisions of the Member States which directly or indirectly determine the terms of consumer contracts”. Do you have a specific assessment by the legislature of a principle of international conventions or of provisions that indirectly determine the terms of contracts? Not necessarily, if at all.

Moreover, the Court cites Dunai to hold that the specific term under consideration in Dziubak belongs to the main subject matter of the contract. The problem is that Andriciuc had explained exactly why this is not the case! Long story short, the Court quoted the wrong paragraph of Andriciuc (43 instead of 40) in past decisions. This error led to an obvious mistake in Dziubak.

2) EU consumer law is premised on the existence of an imbalance in the relationship between consumers and professionals. The asymmetrical character of the relationship justifies suspicion over the fairness of the exchange. It is thus perplexing that both the Advocate General and the Court show preoccupation for an “intervention capable of altering the balance of interests sought by the parties and excessively encroaching on contractual autonomy”.

3) On multiple occasions, the Court has invoked the need to ensure the effectiveness of consumer rights to limit the institutional autonomy of Member States. The most famous example of this trend is the ex officio doctrine – the duty of judges to review of their own motion contract terms. This move is accompanied with suspicion by some commentators, as it touches upon the procedural autonomy of Member States. It is thus perplexing that, without carefully identified grounds in EU law, the Court stepped over the institutional autonomy of Member States enshrined in directives – the choice of how to best allocate the power to protect the rights granted by directives in the national legal system.

4) Finally, the professional had pointed out that there was a provision of national law that is clear enough to be applicable even under the strict parameters given by the Court. This is the case since the provision relied upon in Kásler and Káslerné Rábai to fill the gap was obviously vaguer than the one mentioned by the professional in the present case.

For the reasons sketched here and the additional ones that you can read in the European Review of Contract Law, Dziubak is a fundamentally wrong decision and it belongs to the dustbin of history.