O “Efeito SHEIN” e o consumo Fast-Fashion

Doutrina

Recentemente publicamos em nosso Blog um texto bastante interessante sobre o “efeito Netflix” no consumo, além de outros que, voltados à análise comportamental do consumidor, têm nos conduzido a pesquisas cada vez mais profundas sobre o tema e suas consequências, sobretudo no contexto da pandemia de COVID-19 e dos (re)confinamentos.

Hoje, a análise se debruça sobre o “efeito Shein” no consumo e em como o modelo fast-fashion tem alterado a indústria da moda, em oposição a um consumo consciente e sustentável, e gerado uma explosão de vendas.

Influenciadoras digitais, youtubers, famosas do mundo todo e uma pesada rede de anúncios pulverizados pelas redes sociais tem disparado as vendas da marca chinesa Shein, que se tornou no maior operador de moda do mundo, puramente online, em termos de vendas de produtos de marca própria, de acordo com os dados da Euromonitor citados pela agência Reuters.

Só em setembro deste ano, a app da Shein foi descarregada 10,3 milhões de vezes a nível global, de acordo com os dados da Sensor Tower, também citados pela agência Reuters.

A marca, vagamente criticada pela opacidade de suas informações, uma vez que não apresenta qualquer Código de Ética, Declaração contra escravidão e nem mesmo sustenta bandeiras como a da produção sustentável em favor da natureza e dos animais, não é a única entre as muitas marcas a integrarem o modelo fast-fashion de estímulo ao consumo desenfreado que merecem uma análise em nosso Blog e estão com as vendas em crescimento diário.

Mas afinal, o que é o fast-fashion e por que isso importa? Fast-fashion é o nome em inglês para o modelo de negócios adotado entre marcas da indústria da moda como Zara, H&M, Levis e até mesmo Nike, constantes de inúmeras listas sobre o assunto e baseada sobretudo em 5 pilares: intermediários ocultos, margens de vendas em quantidade, material de origem desconhecida, mão de obra barata e pouquíssima transparência negocial.

Trata-se, sobretudo, de um termo utilizado para designar a tendência desse mercado, disseminado mundialmente a partir dos anos 70, em que os produtos são produzidos de forma a causar a sensação de exclusividade, com foco em consumidores sujeitos a altíssima pressão de compra e que tem por objeto produtos que possam ser descartados em grande velocidade.

Enquanto, por um lado, é preciso se conscientizar que a compra de roupas possa estar tanto a preencher necessidades de cunho emocional, quanto resolver problemas específicos de compra[1], por outro, é preciso atentar às marcas que se destacam em uma das atividades mais poluentes do mundo, em razão da utilização de tinturas de baixa qualidade, insolúveis e produtos à base de metais pesados. A indústria da moda produz 20% das águas residuais do mundo e 10% das emissões globais de carbono. Isso é mais do que todos os voos internacionais e transporte marítimo combinados.

Além disso, apesar dos benefícios que pode trazer ao mercado, como maior rentabilidade, geração de empregos e produtos a custo acessível, é preciso estar ciente de que, por trás dos preços baixos e tamanha diversidade, muitas destas marcas despontam também na utilização do trabalho escravo e infantil pelo mundo, a despender muito mais dinheiro em anúncios do que em garantias e direitos trabalhistas.

Por fim e não menos importante, é preciso notar as lógicas socioeconômicas e culturais que moldam as subjetividades contemporâneas e afetam a mentalidade do consumidor. “Não existe nada mais contagioso do que a psicologia”[2].  Bens duráveis tornam-se cada dia mais descartáveis, utilizados por curto período de tempo. Influenciados por tantos fatores, incluindo anúncios dinâmicos feitos com features automatizadas, as marcas de fast-fashion souberam, sobretudo durante a pandemia, dar visibilidade para peças que estavam tendo alta procura e abusaram da ansiedade do consumidor.

Agora resta-nos convidar o leitor a uma autoanálise, como um chamado à consciência, sobre o quanto estamos sujeitos aos efeitos “Shein”, “Netflix” e tantos outros que o Direito muitas vezes assiste sem, entretanto, conseguir acompanhar. O problema não é consumir, mas é não pensar no consumo!

[1] FRINGS, G.S. (2012). Moda: do conceito ao consumidor (9a ed.). Porto Alegre: Bookman.

[2] GARY, Romain. A vida pela frente (La vie devant soi) (1ª ed.). 2019, E-book – Kindle.

O novo normal – a low touch economy pós-Covid-19

Doutrina

Há algum tempo que viemos escrevendo sobre todas as alterações que acompanham o período pós-COVID-19 e é chegada a hora de responder o que é o novo normal de uma economia que preza pelo distanciamento. A Low Touch Economy, ou “economia do pouco contato”, é o termo utilizado para um novo conceito em que os mercados lidam com a baixa interação social, com rígidas regras de higiene, medidas de segurança e saúde. Tendência ao longo dos últimos anos, diante da globalização e digitalização do mercado, a pandemia do novo coronavírus parece ter vindo para sedimentar uma nova realidade.

A adaptação necessária às regras de distanciamento e pouco contato chegaram com força mesmo após o desconfinamento, demonstrando a impossibilidade de retomada dos padrões anteriores de mercado. Além do reforço nos investimentos de higiene e limpeza, as empresas agora se viram forçadas a reorganizar sua estrutura de atendimento à distância e também o setor das entregas.

Para agravar a situação, o distanciamento social também conduziu à limitação de acesso aos clientes nos espaços físicos comerciais e redução dos horários de funcionamento de boa parte dos estabelecimentos. A alternância entre lockdowns e reaberturas mantém inúmeras incertezas de como serão os próximos meses de reestabelecimento da economia de consumo.

No entanto, ao que nos parece, tal como no estudo divulgado pela Board Of Innovation [1], empresa voltada à estratégia de inovação, o problema dessa economia consiste justamente no círculo vicioso de disrupção em que regras, cada vez mais austeras, para a higiene e saúde social são acompanhadas do sentimento de insegurança dos clientes, enquanto trazem também novos custos de adaptação. Bastaria pensarmos no caso das áreas de hotelaria e turismo, que segundo o estudo citado, seria um dos setores mais afetados, tendo uma queda de pelo menos 40% de fluxo de capitais.

A facilidade das compras pela internet, então, tornou-se uma das únicas opções para a sobrevivência de inúmeros profissionais que, de portas fechadas, poderiam ver ruir os seus negócios. A realidade da Low Touch Economy veio para sedimentar a estruturação e planejamento dos negócios focados em inovação e no mundo digital. A SIBS Analytics [2] divulgou um estudo que demonstra que a frequência de consumo no e-commerce, relativos à semana de 1 a 7 de junho, quando se iniciou a terceira fase de desconfinamento português, atingiu os valores mais altos desde março deste ano. Um aumento de 7% em relação à semana anterior, que levou as compras online a ultrapassarem os valores pré-pandemia, ultrapassando ainda as médias de transações online relativas a janeiro e fevereiro.

O que será do futuro, mais uma vez, permanece incerto a todos. Não restam dúvidas, entretanto, de os caminhos do consumo agora terem um “novo normal” distante do anterior e cada vez mais digital.

[1] The Winners of the Low Touch Economy, Strategy Report by Board of Inovation, 2020.

[2] O impacto do Coronavírus nos hábitos de consumo dos Portugueses, SIBS Analytics, 09.junho.2020.