Direito de arrependimento nas compras online – Custos que podem ser suportados pelos consumidores

Legislação

Numa fase em que a aquisição de produtos online aumenta a cada dia, dado o confinamento a que grande parte da população está votada, as questões relacionadas com os “contratos celebrados à distância” entre consumidores e profissionais ganham um interesse preponderante. Abordaremos um ponto específico do regime do diploma que regula estes contratos (DL n.º 24/2014, de 14 de fevereiro): os custos que podem ser cobrados aos consumidores pelo exercício do direito de livre resolução do contrato. Por serem os mais comuns e para facilitar a exposição do regime legal, restringiremos a nossa análise aos contratos de compra e venda de coisas.

Enquadrando, abordamos o direito que é conferido aos consumidores de “se arrependerem” da aquisição de um bem quando a compra é efetuada à distância, ou seja, sem contacto presencial entre as partes, com recurso a técnicas de comunicação eletrónicas. Ora, no prazo de 14 dias a contar do dia em que o consumidor (ou um terceiro por ele indicado) recebe o bem adquirido (1), sem necessidade de apresentar qualquer motivo justificativo, este pode resolver o contrato, estando obrigado à devolução do produto, nos termos dos arts. 10.º e 13.º do mencionado diploma.

Este direito funda-se na necessidade de proteger os consumidores face à potencial impulsividade das compras online (garantindo a sua ponderação e reflexão) e ainda face à natural assimetria de informação no que respeita às qualidades do produto transacionado, na medida em que o consumidor poderá não ter percecionado corretamente as características do bem adquirido, atenta a impossibilidade de o inspecionar presencialmente e/ou manobrar fisicamente.

O exercício deste “direito de arrependimento” é, em princípio, gratuito para os consumidores. No entanto, há custos que poderão ter que ser por estes suportados (arts. 12.º-3 e 13.º).

Assim, caso o consumidor resolva o contrato e pretenda proceder à devolução do bem adquirido, poderá ter que suportar (2):

  1. Os custos adicionais associados à entrega do produto, quando tenha escolhido expressamente um método de entrega diferente e mais caro do que o normalmente utilizado (ex: tendo o consumidor escolhido o método de entrega rápido, com o custo associado de 3€, em detrimento da entrega normal, que tinha o custo de 1,5€, ser-lhe-á devolvido apenas 1,5€, sem prejuízo da devolução do preço pago pelo produto);
  2. Os custos de devolução do produto, desde que o profissional haja informado previamente o consumidor do dever de os suportar.

Ora, é neste último ponto que podem surgir alguns problemas a que procuraremos responder. Tentaremos analisar o momento em que deve ser prestada a informação ao consumidor, o seu conteúdo e modo de realização, bem como as consequências do incumprimento do dever de a prestar.

No que respeita ao momento em que essa comunicação deve ser feita, deixemos claro que esta é uma informação pré-contratual obrigatória, nos termos do art. 4.º-1-m).

Quanto ao conteúdo da informação, importa clarificar que, se o bem não puder ser enviado pelo correio normal, o profissional deve mencionar especificamente os custos de devolução. Assim, caso seja um produto que possa ser remetido por correio normal, o profissional não precisará de  especificar o valor dos “portes de envio”, sem prejuízo da manutenção do dever de informar o consumidor que terá de suportar estes custos. Talvez seja importante clarificar que o dever de o consumidor suportar os custos de devolução se mantém nos casos em que os “portes de envio” tenham sido “gratuitos”, nomeadamente por oferta promocional do profissional. No entanto, parece-nos que, nestes casos, o consumidor deve ser especialmente alertado para este facto, na medida em que é uma situação suscetível de gerar alguma confusão e consequente desproteção.

Coloca-se ainda a questão de saber como deve ser satisfeito este dever de informação. É disponibilizado pelo legislador um formulário, facultativo, a preencher pelo profissional, que garante o cumprimento do dever de informação quanto ao direito de livre resolução, de onde constam, entre outras, as informações relativas ao dever de o consumidor suportar os custos e os valores a isso associados (Anexo A). O n.º 2 do art. 4.º exige, contudo, a entrega ao consumidor desse formulário preenchido. Ainda que não seja utilizado esse formulário, o art. 5.º exige a comunicação dessas informações por meio adequado à técnica de comunicação à distância utilizada. Assim, parece-nos exigível que esteja visível e bem identificada no sítio da internet do profissional a “política de devoluções”.

A última nota que se impõe respeita às consequências do incumprimento deste dever de informação específico que impende sobre o profissional. Ora, nos casos em que o profissional não comunique ao consumidor o dever de suportar os custos com a devolução do produto, estes são suportados pelo profissional (art. 4.º-4), recaindo ainda sobre si o ónus de provar a realização da comunicação (n.º 7 do mesmo artigo).

 

Notas

(1) O termo inicial deste prazo varia consoante o tipo contratual, o número de produtos adquiridos ou o objeto do contrato, nos termos das alíneas a) a c) do n.º 1 do art. 10.º. O próprio prazo pode ser mais alargado se tal for convencionado entre as partes (n.º 4 do mesmo artigo) ou se o profissional não informar o consumidor quanto à existência do direito de arrependimento (n.º 2 e 3, ambos do art. 10.º).

(2) Convém, contudo, reforçar que mais nenhum custo, penalidade ou valor pode ser cobrado pelo profissional ao consumidor pela resolução do contrato (arts. 10.º-1 e 13.º-4). Mesmo que seja convencionada entre as partes qualquer penalização pelo exercício deste direito, tais cláusulas são nulas (art. 11.º-7).

“Condomínio-consumidor” – Comentário ao Ac. STJ 10-12-2019, rel. Nuno Pinto Oliveira

Jurisprudência

Ac. STJ 10-12-2019, rel. Nuno Pinto Oliveira

Sumário

“I. O condomínio deve ser considerado como um consumidor desde que uma das fracções seja destinada a uso privado.

II. A relação entre empreiteiro e comprador deve considerar-se como uma relação de consumo desde que o empreiteiro conhecesse, ou devesse conhecer, o fim do dono da obra de dividir o edifício em fracções autónomas e de vender cada uma das fracções autónomas a consumidores.

III. Em relação aos defeitos das partes comuns do edifício, o prazo de garantia do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril deverá contar-se a partir da constituição da administração do condomínio.

IV. Em relação aos defeitos das partes próprias, das fracções autónomas, o prazo deverá contar-se a partir da entrega da coisa ao primeiro adquirente — ao primeiro comprador / consumidor — de cada uma das fracções.”

Anotação

Inauguro a minha participação neste blog abordando um tema que me é já familiar, a questão do “condomínio-consumidor”, tema da minha tese de mestrado (1). Faço-o a propósito do comentário a um acórdão do STJ que aborda a mesma temática.

Centrando-nos no aresto, são duas as questões jurídicas alvo de análise nesta anotação:

i) Quando se inicia a contagem dos prazos (dies a quo) de caducidade do exercício dos direitos dos condóminos quanto aos defeitos detetados nas partes comuns do edifício;

ii) Se, e em que condições, deve o condomínio considerar-se consumidor para efeitos do DL n.º 67/2003 (venda de bens de consumo e garantias).

Quanto à primeira das questões, a decisão segue a doutrina maioritária do Supremo, entendendo que a contagem dos prazos de reação face aos defeitos detetados nas partes comuns do edifício apenas deve iniciar-se no momento da constituição da administração do condomínio, ou seja, quando a assembleia de condóminos se reúne pela primeira vez e elege o administrador, e não quando são vendidas a primeira ou a última fração autónoma do edifício, nem tão-pouco quando no momento em que a obra é entregue pelo empreiteiro/construtor do prédio ao dono da obra/vendedor das frações.

Quanto à segunda problemática, como consta do sumário, o Supremo defendeu que para o condomínio beneficiar da proteção acrescida conferida pelas normas de direito do consumo basta que um dos condóminos haja adquirido a sua fração para a destinar a um uso privado (neste caso, habitação própria). É esta também a tese que defendemos na nossa tese de mestrado, no desenvolvimento do que é apontado por Jorge Morais Carvalho no seu Manual (2).

Uma última nota para destacar o raciocínio desenvolvido no acórdão que permite ao condomínio (autor) a dedução da sua pretensão contra o vendedor da fração e, em simultâneo, contra o construtor do prédio/empreiteiro. Dado que o conceito de consumidor é um conceito relacional, ou seja, depende da existência de uma relação entre um consumidor e um profissional, enquanto a qualificação do contrato entre vendedor e comprador da fração como contrato de consumo é pacífica, já não o será a relação entre este e o construtor do prédio. Em rigor, nem sequer existe uma relação contratual entre estes, mas a jurisprudência do STJ (3) vem entendendo que se deve ficcionar uma relação de consumo quando o empreiteiro conheça ou deva conhecer o fim do dono da obra de dividir o edifício em frações autónomas e vendê-las a consumidores. Este entendimento funda-se no espírito de proteção especial do consumidor e na consideração da elevada experiência técnica e negocial dos empreiteiros.

Notas

(1) O Condomínio e as Relações de Consumo: Um Teste à Elasticidade do Conceito de Consumidor, Julho 2019, publicada no Anuário do NOVA Consumer Lab, Ano I, 2019, disponível no site do NOVA Consumer Lab 

Consultar Anuário

(2) Manual de Direito do Consumo, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020

(3) Além do acórdão em análise, veja-se o Ac. STJ de 17-10-2019, rel. Oliveira Abreu

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