Bens produzidos de acordo com as especificações do consumidor e direito de arrependimento

Jurisprudência

No passado dia 21 de outubro, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferiu uma decisão bastante interessante, no âmbito do processo C-529/19 (Möbel Kraft), referente ao direito de arrependimento em casos em que os bens são produzidos de acordo com as especificações do consumidor.

Começando pelo enquadramento, ML celebrou, por ocasião de uma feira comercial, com a Möbel Kraft, empresa de móveis e design de interiores alemã, um contrato de compra e venda de uma cozinha por medida. Posteriormente, ML invocou o direito de arrependimento e recusou a entrega da cozinha.

Deste modo, baseando-se no incumprimento do contrato por parte do consumidor, a Möbel Kraft intentou no Tribunal de Primeira Instância de Potsdam, Alemanha, uma ação de indemnização por perdas e danos.

De acordo com o art. 9.º-1 da Diretiva 2011/83/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, o consumidor goza de um prazo de 14 dias para exercer o direito de arrependimento referente ao contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial, sem que lhe seja exigida a indicação do motivo e sem qualquer custo adicional além dos que se estabelecem nos arts. 13.º-2 e 14.º.

Importa referir que o art. 16º da referida Diretiva consagra exceções ao direito de arrependimento. Ora, não há direito de arrependimento por parte do consumidor nos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial no caso do “fornecimento de bens realizados segundo as especificações do consumidor ou claramente personalizados”.

Da leitura do § 312g, n.º 2, do Código Civil alemão, que transpõe para o ordenamento jurídico nacional o art. 16.º da Diretiva 2011/83/UE, resulta que o consumidor não dispõe de um direito de arrependimento nos casos em que estejamos perante um contrato de fornecimento de bens não prefabricados e realizados segundo a escolha individual do consumidor ou que sejam claramente adaptados às suas necessidades.

A questão que o órgão jurisdicional de reenvio coloca consiste em saber se “o artigo 16.°, alínea c), da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que a exceção ao direito de [arrependimento] prevista nesta disposição é oponível ao consumidor que celebrou um contrato fora do estabelecimento comercial relativo à compra e venda de um bem que deve ser realizado segundo as suas especificações, quando o profissional não tenha iniciado a produção do referido bem”.

O TJUE responde que, de forma inequívoca, resulta da redação do art. 16.º-c) da Diretiva 2011/83/UE que essa exceção é intrínseca ao próprio objeto do contrato, sendo este a produção de um bem “segundo as especificações do consumidor, na aceção do artigo 2.º, ponto 4, da mesma diretiva”. Deste modo, conclui o TJUE que a exceção ao direito de arrependimento “é oponível ao consumidor que celebrou um contrato fora do estabelecimento comercial relativo à compra e venda de um bem que deverá ser realizado segundo as suas especificações, independentemente da questão de saber se o profissional iniciou a produção do referido bem”.

Na minha opinião, esta apresenta-se como uma interpretação sensata, uma vez que, apesar de parecer desfavorável ao consumidor, por não lhe assistir neste tipo de situações o direito de arrependimento, permite que este faça uma reflexão mais profunda antes de se vincular a um contrato com este tipo de objeto. Além disso, permite fortalecer a segurança jurídica das relações entre profissional e consumidor (neste sentido, vide os considerandos 7 e 40 da Diretiva). Por fim, o artigo em apreço também garante que a existência ou inexistência do direito do consumidor de se arrepender do contrato não dependa do estado de avanço da execução desse contrato pelo profissional, sendo que, na maioria das vezes, esse estado não lhe é comunicado, e sobre o qual não tem, por maioria de razão, nenhuma influência. A exigência do cumprimento do dever de informação ao consumidor relativo à inexistência do direito de arrependimento fortalece a posição aqui adotada pelo TJUE.

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